sábado, 14 de outubro de 2023

Passagens

       Brassaï -Pont Neuf, Paris (1949)


   As ruas são a morado do coletivo.”

Walter Benjamin

“Na praia, o homem, com os braços cruzados, crucificados ao sol.”
Albert Camus

 

Gostaria de ir a Paris, uma viagem à literatura,

Um regresso ao imaginário da juventude,

Um flâneur perdido no tempo,

em ruas, livrarias,

dos esquecidos os deuses em solitude.

 

Me prepararia dos olhos ao coração,

Compraria uma roupa, um tênis,

Me enfiaria dentro de dois livros na bagagem,

E, de quebrar, esperaria o acaso,

em plena contemplação.

 

Arrumaria uns dias, o momento de ver um filme,

No avião em uma conversa imaginária com Camus,

Um gole de vinho, uma lágrima de viver e morrer,

Voo noturno, pensando onde ficar, no descaminho.

 

O encontro do sonho com as possibilidades,

A língua anárquica percorrendo as ruas,

E nenhum fim naquilo que o pensado quer,

Ir, voltar, sem nunca morrer longe das águas.

sábado, 8 de julho de 2023

A arte de Zé Celso e Artaud

                  Reprodução/ Twitter/ Instagram

       

“Dar um passo não era mais dar um passo; era, para mim, sentir onde levava minha cabeça.”
Antonin Artaud

 

 

A tragédia na definição aristotélica é a imitação dos acontecimentos, daquilo que provoca terror, piedade, e que no final das contas, desemboca na purificação das emoções. E o teatro do Zé era essa amplitude através do corpo, a presença do corpo e alma dando vida à Vida. Artaud usou isso, o corpo para se defender do pudor dos que acham que a arte é apenas sublime. Um CU....

Zé, Artaud, tantos outros, para além do imaginado a pureza da alma....

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix,

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix,

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix,

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix,

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix,

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix,

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix,

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix,

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix

Fênix, Fênix, Fênix, Fênix, Fênix.


sábado, 15 de abril de 2023

Investigação das águas

     Cádiz
 

367) A imagem mental é a imagem que é descrita quando alguém descreve sua imaginação. (Wittgenstein)

 

Comer todas as palavras e certezas de palavras, vãos em muros, filamentos do tempo, a história, paixão e fome dos olhos, diafragma da alma, um escape de som, uma luz entre os corpos, um resto de palavras, o som quase silêncio entre o medo e a revelação, a fome do desejo nas paredes do tempo, e o corpo abundantemente dança em luz que suaviza os movimentos, o som perdido entre os livros, uma letra entre as letras, a formação de nuvens no outono, o céu se fecha, os olhos de sal, mareados, o instante final do esquecimento desaparece entre os restos dos dias, afasia da desrazão em águas profundas, um mar de realidade, um revestimento encobrindo a palavra, a claridade na luz do sol cortando o revestimento, o emergir. De volta. É como trazer as palavras e o corpo de volta à superfície.

E os braços em longos, demorados movimentos, chapinhar entre plantas submersas, mistura de cansaço e carpas passando rente a pele, próximo do fim, o dia, um nadar quase na escuridão do lago adormecido, um outono de esquecer o que já viveu. Sem salva-vidas, ler o livro, entre folhas úmidas, os braços no ritmo do nadadores que buscam a liberdade no ato, no primeiro capítulo da viagem sem lugar para acabar. A imagem mental do nadador é quando ele escreve sua liberdade, descreve nas braceadas, sua imaginação naquilo que se esgota, não acaba nunca, pois é velejador sem fim.

(123) “O problema filosófico tem a seguinte forma: ‘Não sei me orientar em meio a essas coisas’ “.


sábado, 11 de março de 2023

Vida Invisível

      By Henri Cartier-Bresson - 1975 - Romênia 


"Em todo lugar que passo
lembro de você nessa cidade"
(poeta anônima colando fragmentos pela cidade de Porto Alegre)


Em todo lugar que vou lembro das ruas entre as pernas, movente, uma estrada sem fim, um prédio vindo abaixo, uma explosão diante do sonho sendo abafado por pedras, soterrado, o corpo arde.

As pernas ilesas, as mãos entre as coxas, e se masturbar no escuro do medo, diante da lua que escondeu o último desejo, morrer lutando. Sem poder partir, sonhando com águas abertas, o som das sirenes, nem deus existe diante do desconhecido, uma força que mete medo no poder, uma filosofia da natureza, ímpeto do improviso, do cantar e do movimento, o que move esse corpo, a tatuagem que olha, um mergulhar sem volta e o hálito das plantas se confundem, mergulho no vinho, busca dos olhos, e o corpo entre os escombros, um beijo antes do último copo, a morte é breve, o sonho é eterno, a linguagem movente do amor deixou de respirar, se masturbando até perder os sentidos.

Os responsáveis por tudo, por todos, os mesmos que se safam da tragédia, eles nunca sentirão esse medo nem o gozo nem o desejo de querer se salvar, e olha lá, uma luz, as máquinas estão por perto, e não será o amante que irá sobreviver, já está eternizado na ideia de ir além, de migrar por oceanos, e seus pés presos entre as pedras, e contínuos passos imóveis, seguirá sendo errante fugitivo da morte.

O som de uma voz, a canção entre os lábios, um voo escondido entre as pernas unidas de gozo e rios de lágrimas, de explosão de sirenes, e nada poderá salvar esse amor, essa luta contra a infinitude da solidão das pedras. Uma cama navegando solitária no mar, uma fuga providencial salvará a alma do único sobrevivente, nem eu nem ela, nem ninguém saberá o paradeiro dos sonhos.

Assim o pensamento se torna forte, um vulcão vindo do grito, do rio derramando os fluidos da juventude, um caminho sem volta. Não existe mais saída, tantos dias, as buscas prosseguem, a última viagem é não retornar para o mesmo lugar, perder os sentidos em outra parte, respirar, abrir a boca, um beijo, um copo de d'água, o que sacia é que faz bater forte, melhor acordar bem distante, longe de todos, dos sobreviventes um único que não estará na lista, é ele, ela, bem distantes, um último olhar, molhados entre as mãos, o suor da vida em uma língua desconhecida com gosto de mar.

Se afastam, barcos, naves perdidas no tempo, o amor ficará para outro abalo, outra força da natureza. Uma música, a voz que dança sob o olhar das algas, dos sobreviventes, a dança na imaginação, e tudo escurece, talvez noutra vida consiga falar a língua dos deuses, chega de buscas, a noite descansa e abandona o medo no sonho dos esquecidos. Ela some com as sirenes, um silêncio, o último gozo com gosto de água e batimentos ficam mais distantes, talvez tenha aprendido a ficar invisível diante da vida.


 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Atravessar o céu

      by Vincent van Gogh
 


 “Você sabe o que é a chuva meu bem
É uma princesa que cai do céu
É a tristeza em forma de véu”

Jorge Mautner

 

Detonar essa dor, um drone emocional bombardeando as entranhas, do alto dos sonhos as explosões fragmentárias de uma vida que morre, estilhaços espalhados, o vento que leva para o mar as cinzas. Renasce desde o dia pós-ditadura militar, que mais adiante esteve guardado na memória do mal.

Entre viagens lisérgicas, meditações, unificações de corpos, sobreviveram atrocidades hipócritas do capital, da moralidade, dos desvãos, dos buracos no universo, das teorias indo ladeira abaixo, das utopias morrendo, nascendo no desejo, nas paixões, nos foras e dentro, no afundamento do Ser, na virtualidade da vida, na superficialidade das famílias, nas profundidades de querer voltar sem jamais ter partido, nos reencontros com o passado, no medo do futuro, nos acontecimentos intensos dos corpos, da fuga, da solidão do corpo no centro perdido da cidade, no elevador para o fim da fila, na categoria dos objetos, no significado das linguagens, nas imagens da tela, no perfil mal-acabado da insignificância da individualidade diante da dureza da falta do que fazer, e por tudo na vida, diante da morte, um leve sopro para o fim. Diante do bracear ao encontro do amigo, do sonho de ter aquela mulher diante da vidraça da casa onde se nasceu, mas jamais morreria nela, já teria partido para o tempo que a tempestade de areia clareou no horizonte. A casa da infância tem de tudo, menos o fim, tem o começo, o circular das mãos dadas, dos abraços, dos filmes, da canção dos olhos adormecidos.

Não quero mais te ver, nem tocar no céu da boca da lua ao mar, muito menos vê-la partir dos meus dias, sumir na noite, sem dizer um até breve. Não quero mais tê-la ao meu lado, sentir a respiração, ouvir tua voz cantando “And I love her” – “Bright are the stars that shine Dark is the sky”, e parte de mim em nuvem, sumindo no escuro do mar, e as mãos se tocam por última canção de um fim sem ter ao menos começado no ano de nossas vidas. Tudo foi, mesmo o passado, aquele mesmo em que te amei, hoje nada tem significância diante do caminho em que teu corpo a mover-se aos poucos desaparece do outro lado da praia escura dos amantes. Não quero mais acordar no pensamento da maresia, no mar distante da vida.

E aí vai, quantas caras, quantas bocas, muito riso, alegria nos olhos, e tantas outras, e muitas bocas e tantas fomes, quantos céus, tantos nomes, tantos disfarces, pouco texto em tantos corpos, poucas e boas ideias, tantas lembranças, tantos esquecidos, e poucos resgatados, tantos naufrágios, tantos perdidos, tantas que migram todos os dias, tantas violações, tantos machos, tão atrozes, tanta violência de gênero, tanto racismo, tanta indiferença abençoada, tantos legitimados, tantas vozes, tanto silêncio, tanta covardia em tão pouco tempo. Quantos anos para perceber tudo isso, e tantos outros como você, os que sobrevivem da riqueza e trabalho de tantos que lutam, e pouco ganham.

Ah, quanta alegria falsa em um sorriso derretido nos trópicos. E eu, diante dessa beleza estonteante, estou a zero, que nem a noite de hotel do Caetano, e a noite ameniza o calor, ativa os notívagos, descansa o cérebro e a tristeza some nas páginas do surrado Cristal, e “somos estranhos” no silêncio e na noite que precisa de estrelas, porque não é bom ir adiante como fez um dia Celan.





quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Domingo - Dimanche

                                     Portugal 


Domingo

Dans mon île, em minha ilha,

Um lugar sonhado,

Quase realidade,

Eliminar o assustador, o terror,

Em volta, Doces olhares

E frágeis abraços,

Ao meu redor, amigos, amores,

O dia da vitória.

Tranquilo olhar dos passantes,

Bocas vermelhas,

A liberdade democrática do querer

nos olhos brilhantes,

Estrelas na alma,

A paz contra o fascismo,

Meus sonhos depositados

na certeza de findar o obscurantismo.


Dimanche

Dans mon île, dans mon île,

Dans ce lieu songé

Presqu'un réel, celui dont peur nous vient

L'occulter

Et la terreur autour

De regards doux, d'embrassements

Fragiles, dans mon cercle

D'amis, d'amours le jour de gloire

Regards confiants de qui tu croises

Bouche écarlate

Démocratique bon vouloir en liberté

Dans l'oeil igné

Une nébuleuse dans l'âme

La paix revenue de Fascisme

Mon rêve déposé

La certitude née

Du terme de l'obscurantisme.


Tradução de Emmanuel Tugny





 

sábado, 1 de outubro de 2022

Nadadores

 

  


“nadar se tornara uma espécie de fuga.”
F. Scott (1929)

                                                                

O amor é promessa. Perene é a válvula poética, é adentrar às palavras no vagar dos sentidos ao imaginário. Amar as águas que te salvam do tédio é a existência em sua finitude. Flexão do corpo na curvatura dos braços, o movimento cadenciado, pernas no ritmo do esquecimento, a perenidade da vida, um navegar longe.

É o afastar-se das luzes da cidade sumida. O fantasma de um lugar, é ir perder no horizonte dos encontros, do abandono fortuito. A terra firme transparente em beleza, uma mulher deixada no continente. O mar aberto traga os sonhos. A devoção do corpo levado nas escadarias da igreja dos deuses no consolo das águas, os esquecidos que afogam suas mazelas da vida hão se ser esquecidos para toda eternidade.

O esquecimento do ódio, a negação da violência é a fuga do mal nas águas a levar o corpo de um homem que nadou a vida inteira. Morto nos sonhos.

 

Enfim, o outro lado, salvo do egoísmo das relações e restos de mágoas. A velhice nos corais da pele. O amor tem propriedades naturais da vida marinha, calcificado na parede da alma, resplandece na voz de Amy. A roupa do tempo em sua profundeza em águas rasas. O acalento da alma, e mesmo longe da terra, ter a plenitude vital do corpo solitário com o olhar do seres imaginários é instante proibido das paixões.

A lembrança do Outro, querer salvar a vida em águas turbulentas, flutua com as nuvens, e a dor se confunde a tua pele, teu cabelo raspado pela dor da vida rasga a dor do tempo na caneca de café.

Um hino inútil, instalação, olhares distantes, teus beijos rasgando os dias. Encontro dos amantes. Eu reunindo folhas, o tempo pressupostos. Um ano nas tuas custas existenciais.

MORDI A ISCA!

Minha última braceada morre no fascismo.

Eles não passarão!

 

 


Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...